domingo, outubro 08, 2006

Sombra de Luz (O Conto – Episódio 3 de 7)



…e olhou bem nos olhos da menina. Foram dois segundos de um eterno encantamento. “São da cor incerta do meu mar”, pensou Garoto, apesar do escuro que nos torna mais irmãos dos cegos.

Olhou a sua pele. Era diferente da pele de fumo das pessoas da cidade, mas também não tinha a cor de fruto de um filho da ilha. Era pele de uma qualquer estranha flor. Nívea como uma cor sua e suave como uma sua pétala...Era como se a menina procurasse a flor que a sua pele lembrava.

Garoto, então, explicou com a melodia de uma voz que evocava o som da ilha “Eu sou o garoto! Venho lá do lado da ilha...e tu quem és?”

Garoto esperou o tempo que se espera por uma resposta, mas a menina não respondia. Continuou a olhá-lo com os olhos de encantar, mas estava perdida...abandonada no seu pensamento. Era difícil para ele perceber se aquele era um olhar de uma desapontada ansiedade ou de uma desilusão inquieta.

“Queria tanto que fosses tu”, ouviu enfim, “a flor que tanto procuro!”

Mais forte do que a curiosidade de uma criança é a generosidade da mesma. Garoto não fez perguntas sobre a flor de maracujá, pois do pouco que percebeu, percebia o sofrimento que a ausência desta causava na menina.

Também não perguntou o seu nome. Chamava-a de ‘tu’...não sentia falta de um nome. Andaram pela cidade com um passo inconscientemente combinado. Sorriram um para o outro um sorriso verdadeiro mas atemorizado pela noite.

Garoto contou como chegara ali. Da viagem pelo mar que já não era só seu e da sua mãe. Agora era também mar da cidade. “Da cidade que eu quis conhecer porque...”


Uma sombra!

Uma sombra interrompeu a justificação do Garoto. “Uma sombra numa noite negra?!” Perguntar-se-iam muitos. Mas esta era uma sombra diferente e tanto o Garoto como a Menina o sabiam. Esta era uma sombra de luz.

Andaram para ela com um passo conscientemente apressado e sentaram-se na claridade daquela sombra.

A menina perguntou da ilha. Garoto mergulhou nas palavras. Falou das gentes, dos cheiros, dos sons e dos sabores. Falou de toda a sua família, principalmente dos 45 irmãos. Falou e sentiu um indício de saudade da sua mãe.

A menina disse-lhe enfim o seu nome. “ Luz é um bonito nome!” disse o Garoto.


De repente o escuro da noite levou o medo e trouxe à cidade o aconchego
.

Espera ser continuado...