sábado, outubro 07, 2006

Flor de Maracujá (O Conto - Episódio 2 de 7)


Vi partir o Garoto com a determinação de um Homem. Não evitou olhar para trás porque simplesmente, nem pensou fazê-lo. Estava certo, tinha de conhecer o mundo para lá da Ilha. Da sua Ilha. E mais certo estava, iria transformá-lo no seu Mundo.
O cheiro do Mar que sempre o acompanhou, dentro e fora do seu nariz, estava agora diferente. Era o cheiro daquele Mar tão alto, tão profundo que se transforma em trevas que dão curiosidade em vez de medo.

Criança rabina, com olhos de estrelas no meio do mar.

Quando chegou à cidade, a vontade de conhecer era mais forte que a de aliviar aquele corpinho míudo. Mas o escuro da noite dá mais medo que o mar alto e o Garoto deixou a emoção da descoberta para o dia seguinte. Foi a última noite que passou ao lado do seu irmão Mar e ele nem se lembrou de despedir. Dormiu e sonhou com a Cidade como se ainda dormisse na areia da Ilha.

Como todas as crianças, o Garoto não pensava além do hoje e do amanhã. Na Ilha não havia relógios nem calendários e as horas e os dias eram os da fome, do sono, da chuva, do vento e do sol. Ali, no porto da Cidade, havia buzinas de navios que marcavam o compasso, gritos de homens feios e choros de crianças e mães e todos marchavam num ritmo diferente do da Ilha. Ninguém gingava. Só ele.

Saltitou pela cidade de olhos imensos, de boca aberta para deixar entrar a Cidade nos seus pulmões. O ar sabia diferente e o Garoto tinha essa sede. A do diferente.

A pele das pessoas da Cidade não tinha cor de fruto como a dele, era cor de fumo. Linda como o fumo.

Brincou todo o dia. As crianças da Cidade não lhe perguntaram nada além da sua idade. Nem a isso respondeu. Não sabia nem porque é que deveria saber tal coisa. Correu atrás da bola, deu saltos de gazela, pulos de macaco e cambalhotas de palhaço. Até ao soar das campainhas. Janelas infinitas, cada janela sua mulher, cada mulher seu tinar. As mães chamavam as crias ao ninho, e o Garoto ficou sozinho.

O Sol e depois a Noite. Como na Ilha

Sozinho sem a Ilha, o Garoto sentiu-se só. Por um segundo. Só por um segundo.

“És a flor de maracujá?” perguntou a menina que não fez barulho ao chegar.

E o Garoto sorriu com olhos de mar no meio das estrelas…



Espera ser continuado...