sexta-feira, outubro 20, 2006

Manhã Laranja (O Conto - Episódio 4 de 7)

Os primeiros raios de sol e os protestos das gaivotas acordaram o Garoto. Já era de manhã e o porto mexia na sua habitual movimentação. Gritos de marujos, cães esqueléticos e famintos, homens bêbados, outros perdidos à beira mar, barcos a partir e a chegar, varinas a vender peixe, crianças em correria, gatos a trincar espinhas, fumo e fumarada.

O rapaz espreguiçou-se e por detrás de barris e cordas onde se tinha aconchegado espreitou a agitação da cidade. Era de loucos ver aquelas criaturas de um lado para outro. Fez-lhe lembrar quando na Ilha ficava tempos perdidos a ver os batalhões de formigas passar sempre atarefadas e despachadas. Mas aqui parecia que cada um avançava para seu lado, sem ordem aparente, desinteressadamente.

"Pááá!!" um estrondo forte e súbito obrigou o Garoto a olhar para trás. Simplesmente um gato avarento, que em busca de mais uma espinha, derrubou três latas e umas tantas garrafas vazias. Não ganhou para o susto. Contudo, Luz tinha desaparecido. Já não estava ali ao seu lado.

Teria ido embora durante a noite? para onde terá ido?...

Garoto ficou inquieto e preocupado. Tinha de encontrá-la. Nem que fosse por mais uma única vez. Decidido, o miúdo partiu em busca da menina por entre o labirinto de pessoas, ruas, cheiros e barulhos.

Perdido e confuso sentiu o sabor da fome. Ao ver uma frutaria, não hesitou, lançou-se a uma laranja. Abriu-a e provou-a. Quando se preparava para espetar uma valente dentada apareceu o dono da banca "Que é isto? vais pagar-me essa laranja?" "Pagar?" perguntou ingenuamente o Garoto "Sim, dinheiro. Pagar. não sabes o que é?" "mas eu não tenho nada disso" "Ahh, seu fedelho, dá cá a laranja!". Dito isto, arrancou brutamente o fruto das mãos do rapaz e ainda o enxotou ao pontapé. "Arranja um trabalho, ó badameco!" gritou o comerciante quando já o Garoto ia a muitas corridas de distância.

Ficou triste. Muito triste. Acocorou-se a chorar e desejou voltar para a Ilha o mais depressa possível. Fugir dali e nunca mais regressar. Mas tinha esperança de encontrar o caminho que a levasse à menina, à Luz...

Espera ser continuado...