segunda-feira, janeiro 28, 2008

"Orrazib oidrufapatse" ou o azar de ser Visigodo...


Muito boa tarde.


A apresentação que se segue visa a confirmação de duas ideias desde há algum tempo em fermentação na minha cabeça, onde a segunda fará todo o sentido uma vez compreendido o sentido da primeira.


Ora a minha primeira e central ideia, a partir da qual todos os absurdos ocorridos neste jardim à beira-mar plantado poderão encontrar a sua justificação diz respeito ao facto de ser minha firme crença de que todo este nosso portugalzito é de facto 800Km de palco teatral, diferindo apenas em tamanho de um qualquer Maria Vitória, Estudio Mário Viegas ou mesmo um palco dos Oceanos. Enfim, e simplificando, Portugal não é mais nem menos que 800Km de madeira, onde nós portuguesitos, qual fantoches inconscientes e pré-programados, representamos a mais bizarra e estapafurdia das histórias...


Desta verdade que o é, retirei hoje outra verdade, a de que os conceitos bizarro e estapafurdio quando lidos ao contrário formam as palavras "orrazib" e "oidrufapatse", originárias de um dialecto utilizado no tempo dos Visigodos, significando transportes(orrazib) publicos(oidrufapatse)...


Ora no seu tempo, os Visigodos tinham a sorte ou o azar (explico no fim) de não necessitarem apanhar a carreira 28, pelas razões que passo a citar:


- não trabalhavam na Vodafone;

- a sede da Vodafone não era no Parque das Nações;

- ainda não existia a Vodafone nem o Parque das Nações;

- e nenhum mostrava grande intresse em ir passear à Portela.


Eu sou pois um assíduo passageiro do 28, e de tempos a tempos assisto pela módica quantia mensal de 50 euros e alguns cobres a espectáculos de variedades que a Carris com carinho prepara para surpreender os seus fiéis utentes...


É precisamente a mais recente apresentação que pretendo aqui relatar, em homenagem a essa grande companhia circense que é a Carris...


Saído 10 minutos mais cedo do trabalho, ao qual cheguei 10 minutos mais cedo, aproxima-se então a tenda 28. Entro e todo o espectáculo já estava montado, com 3 xunguitos colados nos lugares do fundo, qual gordura que fica presa ao tacho após o refugado e que só sai depois deste ser afogado em água quente, uns salpicos de personagens indiferentes e não intervenientes e a velharia do costume nos lugares mais avançados, cuja moral e bons costumes obriga os outros a ceder sem expectativa de qualquer agradecimento...

Percorrida a primeira recta após subir a bordo, já as vidas dos mais velhos se me estalavam nos ouvidos, eis que chegados a uma rotunda, um cidadão africano mascarado de preto completamente bebado resolve mergulhar de cabeça sobre os degraus que dão para o mundo exterior! A velhada transformada em bando de babuínos começa na berraria e mal me viro vejo umas pernas que afloravam a partir do degraus e que deixavam adivinhar o tal sujeito, completamente inanimado, qual crash-test dummie, a percorrer a rotunda com a cabeça onde deveriam estar os pés.

Instintivamente, estico a cabeça e aproximo-me do motorista para lhe pedir que páre a carripana, ao que este corresponde com um grunho que não identifiquei, mas que estaria relacionado com o facto do tal cidadão estar aparentemente bebado, algo que só depois me vim a aperceber, e de pelos vistos já se ter andado a esfregar no chão do autocarro desde o embarque na Portela... o motorista, um sapo gordo e verruguento, resolve abrandar e permitir que o desastrado indivíduo se consiga sentar, ás custas de alguns braços voluntariosos... mas meus amigos, parece-me a mim que quando o ratio de oxigénio no sangue é em relação ao alcoól de 1 para 100, estar sentado pode ser bem aborrecido e como tal o folião resolveu voltar a rebolar pelo chão do belo 28...

Animos agitados, e então o sapo gordo não vai de modos e após comunicar com a bófia, resolve montar o circo em pleno poço-do-bispo, enquanto velhotas assustadas assomavam á saída, não se escapando uma de sentir na sua perna a gentil carícia da estrela da nossa viagem, e não se escapando os meus olhos de ver uma velha ser apalpada por um bebado...

Entretanto, e uma vez que o efeito desengordurante da água quente já estava a fazer o seu efeito, entram no jogo os 3 xunguitos, questionando um deles o cocas ao volante "Oh chefe então o que é que se passa? porque é que tamos parados?". Não ouvi de facto a resposta, mas o segundo xunguito, bem mais letrado e afável que o primeiro, nem tom bastante cordial mas igualmente vincado, fez questão de mostrar o seu desagrado perante a paragem forçada "Fodasse caralho, então agora um gajo tem de estar aqui parado?! Abra lá essa merda!"...

Ora como sabem, mais veloz que o disparar de alarvidades da boca do Cristiano Ronaldo, só mesmo a rapidez com que um negro bebado e um bando de fedelhos mal-criados conseguem provocar juntos dos mais velhos a ressurreição do sempre presente espirito salazarista do antigo regime. Bem dito bem feito, após a recolha do delirante passageiro por parte do autoritário e abusador braço da lei, frases como "E são estes os homens de amanhã!" ou "Se vêm para cá para fazer isto porque é que não ficam lá na terra deles?", e mesmo pequenos retalhos de vida que falavam de uma pobre velhinha que a "arranjar" as suas "florinhas" se distraiu e viu o seu telemóvel levado por um malvado de um ucraniano, acompanharam-me o resto da viagem até ao Terreiro do Paço, interrompidos apenas por um pequeno desaguisado entre um sr. fiscal com a voz emprestada do João Malheiro e um passageiro, segurança por sinal, que se terá sentido insultado por o Malheiro lhe ter pedido para mostrar o passe após este ter acabado de o validar à entrada, achando por bem soltar mais uns quantos "fodasse" ou "caralho" perfeitamente justificados perante tal afronta.

Desci na minha paragem e, perdido o barco das 14:20h, lá fui esperar o das 14:50h...


Dito isto, contada a história, e confirmadas as ideias alvitradas no início, muitas morais se poderiam retirar sobre o estado da nossa nação, mas a mim só me ocorre uma:
Os transportes publicos não o ajudam a chegar a horas, mas ajudam-no a chegar com um sorriso...